Resenha: “Mais Pesado que o Céu: uma Biografia de Kurt Cobain”

“Mais Pesado que o Céu: uma Biografia de Kurt Cobain” foi escrito em 2001 pelo jornalista Charles R. Cross e é considerado um dos livros mais importantes sobre a história do artista e de sua banda, Nirvana. Além de fatos coletados com a família do artista e imprensa, o autor passou anos entrevistando pessoas relacionadas a Kurt Cobain e ao Nirvana. O resultado é um livro muito bem escrito, com a narrativa envolvente, contexto histórico interessante e muitas desconstruções de mitos que todos já ouvimos sobre a vida deste músico tão polêmico.

O título do livro descreve muito mais que apenas o nome da turnê feita na Europa pelo Nirvana e a banda TAD, ele resume perfeitamente o que eu senti quando li a última palavra do livro e o fechei. Foi pesado. Senti o peso do que poderia ser o céu (ou o inferno) bem na minha cara. Mais do que a história de um cantor, um frontman ou um artista, esse livro traz a história de alguém com muita dor, que não consegue aceitar ajuda ou ser ajudado.

Vamos começar desromantizando o suicídio. Da forma como Courtney Love coloca, é realmente algo “imbecil” acreditar na ideia de que é melhor “queimar do que ir se apagando”. Não podemos também menosprezar a dor de quem comete suicídio. O objetivo deste texto não é de forma alguma julgar uma vida ou morte, nem mesmo analisar este aspecto da narrativa, mas falar um pouco sobre o que pode ser encontrado ao ler “Mais Pesado que o Céu”. A depressão e o vício químico foram duas coisas que o levaram a pensar que não havia nada melhor em sua vida ou seu futuro que a morte. A fama também é um fator que pesou muito na equação. O suicídio é resultado de uma dor profunda.

[Se você sente ou já sentiu algo do tipo, busque ajuda profissional. Estamos no mês de conscientização e prevenção do suicídio (Setembro Amarelo) então busque informações sobre o assunto, mesmo que não seja o seu caso, você pode ajudar um amigo ou familiar que está com problemas de saúde mental.]

Dito tudo isso, não acredite nunca e de forma alguma que transtornos psicológicos podem fazer de alguém um artista melhor e, por conta disso, não se deve passar por tratamentos. Não romantize dores emocionais como forma de alcançar a criatividade: artistas são melhores se estiverem saudáveis. Qualquer pessoa será melhor se estiver saudável, basta pensar que um problema de saúde mental é um problema de saúde e o tratamento é indispensável. A exemplo de Kurt Cobain, quando as crises foram aumentando, ele deixou de cumprir várias obrigações com a banda, como shows e ensaios, e o ritmo de produção despencou em queda livre. O último disco do Nirvana, “In Utero”, foi realizado com muito custo e principalmente por conta dos esforços dos outros membros da banda, Krist Novoselic e Dave Grohl. Novamente, procure ajuda profissional caso você ache necessário.

Agora vamos falar do livro em si.

O prólogo de “Mais Pesado que o Céu” sugere que foi no mesmo momento em que a carreira de Kurt Cobain atingiu seu ápice, sua vida pessoal chegou ao fundo do poço, com uma overdose que seria uma de suas muitas experiências de quase morte. O ano era 1992, dois antes de sua morte final. Ele tinha apenas 24 anos. Destaco um trecho que acredito resumir bem a narrativa:

No curso de um único dia, Kurt havia nascido para os olhos do público, morrido na privacidade de suas próprias trevas e sido ressuscitado pela força do amor. Foi um feito extraordinário, implausível e quase impossível, mas o mesmo poderia ser dito para grande parte da sua vida extravagante, a começar pelo lugar de onde ele viera.

A partir desta introdução bastante chocante, o autor volta para o ano de 1967, em que Kurt nasce no estado de Aberdeen, em Washington (EUA). Filho de pais jovens, recém formados no ensino médio, as relações familiares de Kurt são bastante exploradas pelo autor. O divórcio de seus pais foi bastante duro para ele, que também não aceitou muito bem os novos parceiros, principalmente os namorados da mãe e acabou indo morar com o pai. A relação tornou-se mais complicada quando o seu pai se casou novamente. A partir daí Kurt pulou de casa em casa, sem endereço fixo, acabava dormindo em garagens e cadeiras de hospital. As músicas do Nirvana abordam a vida precária que teve. Uma delas é “Serve the servants”, que fala sobre sua relação com o pai:

As my bones grew they did hurt
They hurt really bad
I tried hard to have a father
But instead I had a dad
I just want you to know that I
Don’t hate you anymore
There is nothing I could say
That I haven’t thought before

Outro ponto a se destacar é que Kurt tinha uma família muito grande e muitos membros tinham envolvimento com música, o que possibilitou o contato dele com instrumentos musicais desde cedo. Segundo Cross, Kurt sempre foi um artista. Desenhava muito bem, conseguia tirar notas sozinho em instrumentos e tinha interesse em escrever (costumava manter diários), no entanto, nunca gostou muito da escola, inclusive nunca terminou o ensino médio. A família sempre teve dificuldades financeiras e as cidades que habitou em sua infância eram compostas principalmente por pessoas de classes baixas. Foi um crescimento difícil, que o ensinou a levar a vida no meio de muitas adversidades, principalmente na pobreza, violência, abuso de drogas e álcool por parte de adultos ao seu redor, naturalizando todos estes comportamentos.

Kurt sempre teve amigos que o ajudaram muito durante sua trajetória. Um deles é Krist Novoselic, que sempre foi um amigo e companheiro de banda, mesmo quando ela ainda nem tinha nome. Decidir por “Nirvana” levou tempo e eles se apresentaram muitas vezes com outros nomes. A cena musical do local onde viviam era bastante precária e refletiu obviamente no som deles: cru, rápido, cortante. As composições já transmitiam um pouco da mente atordoada de Kurt, com muitos versos confusos e indecifráveis. O início de carreira contou com constante mudança de bateristas, que poderiam ser demitidos a qualquer momento de uma forma pouco clara: Kurt parava de chamá-los para os ensaios.

Um ponto de mudança na vida de Kurt foi mudar de cidade, indo morar em Olympia (Washington) com sua namorada Tracy Marander. Sem diploma do ensino médio, Kurt trabalhou em redes de fast-food e empresas de limpeza, empregos que não considerava bons o suficiente para ele, que buscava viver de sua arte. A rotação de empregos era grande e por longos períodos a casa foi sustentada por Tracy. No entanto, a cidade de Olympia era um local de intensa movimentação artística e intelectual. Com uma cena punk do-it-yourself e a cena grunge pulsando, Olympia é um terreno fértil para um artista como Kurt. Já falamos aqui sobre como a cidade foi o berço do movimento Riot Grrrl. O Nirvana estava inserido neste contexto também, a cena punk de Oly. A partir daí Kurt foi construindo sua carreira com bastante ambição e dedicação, apesar de não assumir isso.

De sua primeira demo até a apresentação citada no início foram alguns anos, duas namoradas, muitos shows (inclusive no Brasil, em 1992), muitas drogas, dores de estômago crônicas insuportáveis, algumas internações para desintoxicação, inúmeras brigas e três discos que tiveram sucesso em vendas. O meio disso tudo foi contado por Charlie R. Cross de forma sensível e envolvente, com muito respeito a memória de Kurt e as pessoas que o apoiaram em sua vida. “Mais Pesado que o Céu” é uma intensa investigação da vida e personalidade de Kurt Cobain, talvez uma das celebridades mais intrigantes dos últimos tempos. A leitura é fluida e bastante interessante para quem gosta de livros de memórias e biografias.

Caso estivesse vivo, Kurt completaria 50 anos em fevereiro deste ano. A data não passou em branco. Várias homenagens foram feitas a ele e está circulando pelo mundo a exposição “Nirvana: Taking Punk to the Masses”, ou seja, “Levando Punk para as Massas”. Acredito que este seja o principal legado do Nirvana na história da música nos anos 90: levou o seu estilo punk para as rádios de todo o mundo e popularizou o grunge, com seu som sujo e mais distorcido, mas que une elementos do hardcore, heavy metal, punk e indie rock. O Nirvana influenciou uma geração de músicos e mostrou, para o bem ou para o mal, que é possível uma banda independente alcançar sucesso comercial e atingir o mainstream.

Here we are now, entertain us!

________________

Leia mais posts como esse em #RESENHAS

Curta a nossa página no Facebook e não perca nenhuma novidade do blog 😉

Cover Dose: Imagine Dragons manda Blur, Muse homenageia Nirvana e Lorde canta Kanye West no Lollapalooza 2014

Por ideia de uma amiga resolvi fazer uma playlist no Deezer com uma música de cada show que eu fui na vida. Entrei em uma nostalgia enorme e muito gostosa, de passar dias procurando vídeos no YouTube de momentos marcantes dos shows. Nessa retrospectiva, notei que o Lollapalooza de 2014 – o meu favorito até agora – teve uma seleção muito legal de covers e resolvi trazer os meus prediletos para cá!

coverdose

Imagine Dragons – Song 2 (Original: Blur)

O show do Imagine Dragons foi muito animado, cheio de energia e a banda estava em uma conexão profunda com o público. Tinha muita gente! Estavam todos cantando todas as letras, dançando, pulando e curtindo muito. Já não bastasse isso, a banda resolveu mandar um cover de Blur.

Na minha cabeça, o público de Imagine Dragons seria bastante diferente do público de Blur, mas a música acertou em cheio. Lembro que a galera cantava a plenos pulmões e foi um momento de êxtase coletivo. Se você não conhece a música original, clique aqui. A versão do Imagine Dragons está logo abaixo.

Muse – Lithium (Original: Nirvana)

O Matt Bellamy, vocalista do Muse, subiu ao palco sem voz. Todo o setlist foi adaptado por conta da rouquidão dele. Várias músicas que ele costuma cantar em shows foram retiradas para preservar as cordas vocais do cantor e a banda investiu em longos solos de instrumentos.

Na mesma semana do show, o mundo completaria 20 anos sem Kurt Cobain. A banda decidiu então fazer uma homenagem ao cantor, o que veio bem a calhar. A voz rouca do Matt Bellamy combinou perfeitamente com a de Kurt e a versão de “Lithium” do Muse foi de arrepiar qualquer um (a melhor música do show, na minha opinião). A versão original é essa, a do Muse está logo abaixo.

Lorde – Hold my Liquor (Original: Kanye West)

No Lollapalooza eu não consegui conferir o show da Lorde porque dei preferência a outra banda que gosto há mais tempo, mas não pude deixar de procurar a performance dela quando cheguei em casa. Ver a Lorde cantando me emociona muito. Ela é emoção.

Dentre as músicas que a jovem cantou, ela fez o cover de “Hold My Liquor” do Kanye West, de quem não sou fã. A versão da Lorde me deixou apaixonada, ouvindo no repeat. Na verdade, gosto bem mais da música cantada pela moça. Se você não conhece a original, vem ouvir aqui. Logo abaixo é a vez de amar a Lorde.

Bônus: Johnny Marr – There is a Light That Never Goes Out (Original: The Smiths)

Não dá para dizer que Johnny Marr fez cover de The Smiths porque ele era o guitarrista da banda, mas vale a pena conferir a versão dele. Original, com Morrissey, está aqui.

__________________________

Leia também:
– MUSE BUSCA O JAZZ DE NINA SIMONE, WEEZER TRANSFORMA TONI BRAXTON EM ROCK E BIRDY REINTERPRETA PHOENIX

Curta a gente no Facebook e não perca nenhuma novidade do blog 😉

Conexão: Gilmore Girls, Sonic Youth, Nirvana e Skid Row

“Gilmore Girls”

gilmore girls

Diretamente de Stars Hollow, entre 2000 e 2007, a série tem como foco principal o relacionamento de Lorelai e Rory Gilmore, mãe e filha. Elas moram em uma cidade pequena do interior de Connecticut (EUA) e têm uma relação muito próxima com todos os moradores de lá. (Se você ainda não viu, vale a pena dar uma chance!)

Os fãs dessa série incrível sabem o quanto a música é importante nela. Cada um tem seu próprio gosto musical: Lane Kim tem sua banda de rock, o Hep Alien, Lorelai é fã das bandas dos anos 80, a Rory gosta de…

Sonic Youth

sonic youth

A banda fundada em 1981 em Nova York por Kim Gordon e Thurston Moore é um marco na história da música alternativa com suas distorções, elementos do no wave e um som bem diferente de tudo que o circuito musical estava acostumado a ouvir.

Sua relação com Gilmore Girls é bastante profunda. Além de ser citada diversas vezes por personagens da série e ser trilha sonora de momentos importantes, Kim Gordon, Thurston Moore e a filha deles, Coco Gordon-Moore, fizeram uma participação especial na série, interpretando trovadores buscando sucesso em Stars Hollow. Fizeram o que sabem fazer de melhor: Rock.

O Sonic Youth acabou em 2011 e desde então Kim Gordon dedicou-se principalmente a sua carreira de artista plástica, mas não largou a música. Nos últimos anos, ela fez música em um novo projeto, o Body/Head, colaborou com J Mascis – da banda Dinosaur Jr – para um EP, fez um belo tributo a seu amigo Kurt Cobain no Rock ‘n’ Roll Hall of Fame. Na ocasião, a banda homenageada era…

Nirvana

nirvana

A grande banda do grunge nasceu no final dos anos 80, mas estourou mesmo no início dos anos 90, sendo encerrada em 1994, com a morte de Kurt Cobain. O Nirvana é o maior exponente quando falamos sobre grunge. A banda com certeza influenciou toda uma geração com suas músicas intensas, misturando guitarras ritmadas e distorcidas, melodias calmas e explosivas. Kurt nunca escondeu sua admiração pelo Pixies, uma banda alternativa seminal que influenciou muitos músicos e agregou uma legião de fãs nos anos 80 e 90.

Amigo pessoal de Kim Gordon, ouviu muito de seus conselhos sobre a vida, e nada mais justo que a homenagem que ela fez na consagração da banda. No livro “Girl in a Band“, Kim não poupa elogios ao amigo e mostra a sua ligação pessoal com o líder do Nirvana, um cara sensível e inseguro, que se transformava totalmente quando subia ao palco.

Um fato amplamente conhecido, mas que nem sempre lembramos é que o Nirvana, antes de escolher esse nome que ficou profundamente entalhado na história da música, teve muitos outros nomes. Entre eles, um que teve que ser alterado porque já havia uma banda com esse nome, o que poderia render um processo à banda de Kurt. Era o:

Skid Row

Photo of SKID ROW

O Skid Row foi formado em 1986 por Matt Fallon, Rachel Bolan, Dave Sabo e Jim Yuhas. A banda de heavy metal e hard rock fez bastante sucesso no final dos anos 80, principalmente com seus dois primeiros discos: Skid Row e Slave to the Grind. A banda está em atividade ainda e recentemente, em 2013, fez show aqui no Brasil.

Um dos principais problemas da banda foi a rotação muito grande de membros. Há quem prefira a formação atual, mas a maioria dos fãs ainda sente falta da formação que garantiu a consagração da banda: Sabo, Bolan, Scott Hill, Rob Afusso e o ex-vocalista Sebastian Bach.

Bach deixou a banda em 1996. Na verdade ele foi expulso da banda por conta de desentendimentos com os membros e, após um show desastroso aqui no Brasil, em que a banda foi super vaiada, ele não teve mais contato com os amigos de banda. Fora do Skid Row, Sebastian Bach perseguiu novos desafios, como uma carreira solo e até uma carreira como ator. O guitarrista e cantor fez o papel do rockeiro e pai de família Gil, guitarrista da banda Hep Alien, de:

“Gilmore Girls”

gilmore girls 2

_________
Na categoria Conexão, leia também:

– THE O.C., DEATH CAB FOR CUTIE, THE POSTAL SERVICE E CLAP YOUR HANDS SAY YEAH
– ONDE VIVEM OS MONSTROS, KAREN O, VAMPIRE WEEKEND E ALT-J

__________

Curta a gente no Facebook e não perca nenhuma novidade do blog 😉